Entre os dias 8 e 10 de novembro, a Cinemateca Capitólio apresenta a mostra Programa Maya Deren, dedicada à obra da cineasta que criou as bases do novo cinema experimental dos Estados Unidos na primeira metade do século vinte. Suas obras-primas serão exibidas em diálogo com filmes de outras diretoras, como Barbara Hammer, Vivian Ostrovsky, José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler. Entrada franca.
PROGRAMA MAYA DEREN
Curadoria: Liciane Mamede
Realização: Vai e Vem Produções
Maya Deren (1917-1961) é considerada uma pioneira no campo do cinema experimental. Para a cineasta, nascida na Ucrânia e radicada nos EUA, um filme nunca é terminado, apenas abandonado. Dona de uma filmografia concisa, ela realizou um conjunto de obras que inauguraram algumas vertentes importantes dentro do cinema experimental, como também teorizou a respeito desse domínio. Ela é igualmente conhecida por sua militância e por pensar estratégias de produção e difusão no caso de obras que se colocam à margem da indústria.
Seus filmes materializam um forte interesse pelas expressões corporais a partir da dança, mas também dos rituais místicos e religiosos – o que acaba por estabelecer ainda um diálogo entre sua arte e o campo da antropologia. Também é bastante evidente a influência que a estética vanguardista, em particular a surrealista, teve sobre seus filmes, o que é perceptível em obras como Tramas do Entardecer (Meshes of the Afternoon, 1943), considerado um marco absoluto do cinema, e At Land (1944). Também vale destacar a parceria com Marcel Duchamps para o filme inacabado The Witch’s Cradle (1943), igualmente incluído no programa.
Além da filmografia completa de Maya Deren, a mostra exibe ainda, em quatro sessões, trabalhos de outras e outros cineastas experimentais que se colocam (abertamente ou não) em diálogo com sua obra, entre eles Barbara Hammer, Vivian Ostrovsky, José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler.
Sessões
08/11 – 19h30
Sessão 1: Os filmes abandonados (70′)
Classificação indicativa: 10 anos
Tramas do Entardecer (Meshes of the Afternoon, Maya Deren e Alexander Hammid, EUA, 1943, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
At Land (Maya Deren, EUA, 1944, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
The Witch’s Cradle (Maya Deren, EUA, 1943, 12′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Maya Deren’s Sink (Barbara Hammer, EUA, 2011, 30′, cor/pb, digital)
09/11 – 18h30
Sessão 2: Ritmos e Cinema (77′)
Classificação indicativa: Livre
The Private Life of a Cat (Maya Deren e Alexander Hammid, EUA, 1946, 29′, 16mm, exibição em arquivo digital)
The Very Eye of the Night (Maya Deren, EUA, 1958, 10′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
A Study in Choreography for Camera (Maya Deren, EUA, 1945, 3′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
M.M. in Motion (Vivian Ostrovsky, França, 1992, 35′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
09/11 – 20h
Sessão 3: Rituais (64′)
Classificação indicativa: 12 anos
Meditation on Violence (Maya Deren, EUA, 1948, 10′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Ritual in Transfigured Time (Maya Deren, EUA, 1946, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Maria Esther: Danças na África (José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler, Brasil/Senegal/Mali/Togo/Benin, 1978, 40′, cor, Super-8, exibição em arquivo digital)
10/11 – 19h
Sessão 4: O corpo místico (78′)
Classificação indicativa: 10 anos
Filmes exibidos:
Divine Horsemen: The Living God of Haiti (Maya Deren, EUA/Haiti, 1947-1951/1981, 55′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Candomblé no Dahomey (José Agrippino de Paula, Brasil/Benim, 1972, 23′, cor, Super-8, exibição em arquivo digital)
Sinopses
Sessão 1: Os filmes abandonados (70′)
Classificação indicativa: 10 anos
Tramas do Entardecer (Meshes of the Afternoon, Maya Deren e Alexander Hammid, EUA, 1943, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Considerado um marco do cinema e um dos filmes que mais influenciaram os rumos do cinema experimental americano, foi realizado por Maya Deren em colaboração com seu então marido, o fotógrafo Alexander Hammid. Nesta sua primeira obra, filmada enquanto Deren ainda vivia na Califórnia (posteriormente, ela se mudaria para Nova York), a cineasta explora alguns procedimentos estéticos, notadamente a montagem, para criar o universo onírico que se tornaria a marca de seus primeiros filmes.
At Land (Maya Deren, EUA, 1944, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Assim como em Tramas do Entardecer, Maya Deren continua a explorar em At Land uma estética em prol do onírico e do abstrato, que em muito reverbera o impacto que teve sobre ela a arte surrealista. Esses mesmos procedimentos estéticos – montagem que extrapola a verossimilhança espaciotemporal, sobreposições, jogo de atores enfatizando a alienação da realidade concreta – se tornariam marca de uma certa vertente do cinema experimental, que o teórico P. Adams Sitney chamou de “trance films” (filmes de transe).
The Witch’s Cradle (Maya Deren, EUA, 1943, 12′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Filme inacabado de Maya Deren, realizado em colaboração com o artista vanguardista francês Marcel Duchamp, que aliás é aqui ator. Filmado em Nova York, numa galeria de arte onde o artista costumava expor seus trabalhos, a obra apresenta sobretudo fragmentos, mas que nos deixam vislumbrar o resquício de um fio narrativo. A influência vanguardista na busca estética de Deren fica evidente nos movimentos de câmera, cenário utilizado e uso do close up.
Maya Deren’s Sink (Barbara Hammer, EUA, 2011, 30′, cor/pb, digital)
Ao descobrir no Anthology Film Archive uma pia que pertenceu a Maya Deren, Barbara Hammer decide mergulhar no universo da cineasta, considerada a “mãe do cinema experimental americano”. Ela visita e filma as casas onde Deren morou, em Los Angeles e Nova York, e onde realizou alguns de seus filmes. Através de especulações imagéticas e entrevistas (entre outros, com Judith Malina, Carolee Schneemann e Ross Lipmann), ela explora questões como espaço, tempo e forma na obra de Deren.
Sessão 2: Ritmos e cinema (77′)
Classificação indicativa: Livre
The Private Life of a Cat (Maya Deren e Alexander Hammid, EUA, 1946, 29′, 16mm, exibição em arquivo digital)
Os personagens dessa narrativa são uma família de gatos, cujos pais procuram criar um ninho de conforto para seus gatinhos. Acompanhamos os filhotes crescerem e os pais gatos vagarem livremente pelo apartamento de seus donos (Hammid e Deren).
The Very Eye of the Night (Maya Deren, EUA, 1958, 10′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Último filme completo de Maya Deren, realizado em colaboração com a Metropolitan Opera Ballet School, foi inteiramente fotografado em negativo e a trilha sonora é de autoria do músico Teiji Ito, então marido de Deren. Um filme pioneiro no que tange o interesse do cinema pela dança. Aqui, os dançarinos parecem flutuar no espaço.
A Study in Choreography for Camera (Maya Deren, EUA, 1945, 3′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Neste seu terceiro filme finalizado, Deren liberta o corpo e seus movimentos. Um dançarino move-se sem esforço entre diferentes ambientes: uma floresta, uma sala de estar, a galeria de um museu. A coreografia e a montagem estão em fina sintonia a fim de garantir ao artista leveza e autonomia.
M.M. in Motion (Vivian Ostrovsky, França, 1992, 45′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Filme realizado ao longo de quatro anos (de 1981 a 1991), a partir de filmagens realizadas por Vivian Ostrovsky dos ensaios de seis coreografias de Mathilde Monnier. O trabalho tenta traduzir a essência, o estilo e o humor da coreógrafa francesa em termos cinematográficos usando imagens fragmentárias, episódicas e impressionistas que capturam os traços definidores de seu modus operandi. O minucioso trabalho de som, uma das marcas do cinema de Ostrovsky, também se destaca neste filme.
Sessão 3: Rituais (64′)
Classificação indicativa: 12 anos
Meditation on Violence (Maya Deren, EUA, 1948, 10′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Neste filme, a performance de Chao-Li Chi obscurece a distinção entre violência e beleza, numa tentativa de “abstrair o princípio da metamorfose contínua”, também encontrada em Ritual in Transfigured Time.
Ritual in Transfigured Time (Maya Deren, EUA, 1946, 14′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
O “ritual é uma arte e, historicamente, toda arte deriva dos rituais”. Essa frase de Maya Deren, que expande os limites de seu interesse e de suas especulações artísticas, traduz o sentido e o propósito deste filme. Aqui, ela divide o protagonismo da cena, onde a personagem da dançarina é uma espécie de alterego numa busca ilusória e onírica. O caminho de sua transcendência passa pela dança, pela fuga e, finalmente, pela purificação simbólica da água.
Maria Esther: Danças na África (José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler, Brasil/Senegal/Mali/Togo/Benin, 1978, 40′, cor, Super-8, exibição em arquivo digital)
Um dos filmes que marcam a parceria entre José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler. Durante o tempo em que percorrem alguns países africanos, Maria Esther, dançarina e coreógrafa, amplia suas pesquisas corporais a partir do contato que trava com as culturas locais. O interesse de ambos pelo candomblé, pelo transe e pelos rituais de possessão é aqui aprofundado por meio do registro de sua presença no ambiente doméstico cotidiano.
Sessão 4: O corpo místico (78′)
Classificação indicativa: 10 anos
Divine Horsemen: The Living God of Haiti (Maya Deren, EUA/Haiti, 1947-1951/1981, 55′, pb, 16mm, exibição em arquivo digital)
Entre 1947-1951, Maya Deren está no Haiti graças a uma bolsa da fundação Guggenheim, para filmar manifestações ligadas ao vodu. Ela filma horas de material e imerge na cultura religiosa haitiana a ponto de, em 1953, publicar um livro sobre suas pesquisas e observações que acaba por se tornar uma referência sobre o assunto. A artista, no entanto, morre antes de completar seu filme. Em 1981, o músico Teiji Ito, viúvo de Deren, finaliza esta versão de Divine Horsemen: The Living God of Haiti, a partir das filmagens que ela havia feito décadas antes.
Candomblé no Dahomey (José Agrippino de Paula, Brasil/Benim, 1972, 23′, cor, Super-8, exibição em arquivo digital)
Em uma de suas viagens pela África, Agrippino para no Benim, antigo Daomé (ou Dahomey), e realiza este filme imersivo a partir de seu olhar sobre os corpos em transe de manifestações religiosas do candomblé.