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YVONNE RAINER EM 5 ATOS
29 de fevereiro de 2024

A mostra “Yvonne Rainer em 5 atos” traz a Porto Alegre entre os dias 8 e 10 de março cinco sessões com nove filmes da diretora norte-americana Yvonne Rainer (nascida em 1934), realizados entre os anos de 1966 e 1990, entre eles Filme Sobre uma Mulher Que… (Film About a Woman Who…, 1974) e Privilégio (Privilege, 1990). Yvonne Rainer é considerada uma das artistas performáticas mais influentes do século XX, vista por críticos como a realizadora de vanguarda norte-americana mais importante desde Maya Deren e Marie Menken, e sua obra apresenta um olhar feminista sobre questões de gênero e de sexualidade, trabalhando simultaneamente com as linguagens da dança, do teatro e do cinema experimental e ensaístico.

A programação tem entrada franca.

Dançarina, coreógrafa, escritora e cineasta, Yvonne Rainer nasceu em São Francisco e iniciou a sua carreira na Nova Iorque vanguardista dos anos 1960. Próxima de coreógrafos importantes da época como Martha Graham ou Merce Cunningham, com quem estudou, e de músicos e compositores fundamentais como John Cage, Rainer começa a coreografar na transição para os anos sessenta, sendo uma das fundadoras do grupo experimental Judson Dance Theatre, experiência que ela traz para o cinema alguns anos depois.

Seus filmes são marcados por um forte experimentalismo, cruzando linguagens artísticas e tendências de vanguarda do período, como o minimalismo e o filme ensaio, para explorar formas e temas políticos e subversivos. Cruzando ficção, autobiografia, performance, peças de mídia e registros documentais, Rainer tensiona as formas narrativas, ora se aproximando do das artes cênicas, ora do filme de colagem.

Além da pesquisa corporal, a narração é um ponto de destaque na obra de Rainer. Em seus filmes de tablado, em que os personagens encenam corporalmente suas narrativas, a voz humana em off estabelece um contraponto com a expressividade dos corpos. Já em seus filmes de colagem, em que a cineasta trabalha uma narrativa mais fragmentada e ensaística, são os testemunhos, ficcionais ou documentais, que aportam os diferentes pontos de vista que Rainer incorpora.

A força da obra de Rainer reside na indissociação entre a política das suas temáticas e a política das suas formas. A cineasta entende que não é possível alterar a sociedade sem alterar as percepções sobre o mundo material, expressadas aqui nas suas narrativas fílmicas. Questões feministas como envelhecimento, identidade sexual, relações afetivas, ou questões sociais como terrorismo, psiquiatria, e a luta contra os mais diversos preconceitos, que é parte da sua missão política, são tratadas na chave da transgressão formal que suas problemáticas exigem.

A mostra na Cinemateca Capitólio apresenta assim um recorte dessa obra fundamental para a compreensão do pensamento do século XX, de suas vanguardas artísticas e de suas militâncias políticas, reunindo os seus primeiros curtas-metragens, compilados na sequência Cinco Peças Fáceis (1966-1969), seus dois primeiros longas-metragens A Vida dos Performers (1972) e Filme Sobre uma Mulher que… (1974), e dois de seus filmes da fase dos anos 1980, O Homem que Invejava as Mulheres (1985) e Privilégio (1990). A mostra também conta com um debate entre a crítica e programadora de cinema Juliana Costa e a pesquisadora de dança Priscila Pasko após a exibição de Cinco Peças Fáceis no dia 10.

 

Os sete longas-metragens dirigidos por Yvonne Rainer entre 1972 e 1996 foram todos restaurados em 4K pelo Museu de Arte Moderna e pelo Fundo Celeste Bartos de Preservação de Filmes, e distribuídos pela Zeitgeist Films em associação com Kino Lorber. A cópia digital de Cinco Peças Fáceis que vai passar na Capitólio é cedida pela distribuidora norte-americana Video Data Bank, pertencente à School of the Art Institute of Chicago.

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Cinco Peças Fáceis (Five Easy Pieces, 1966-1969) é a reunião dos cinco primeiros curtas-metragens realizados por Yvonne Rainer, entre os anos de 1966-1969: Hand Movie (1966), Volleyball (1967), Rhode Island Red (1968), Trio Film (1968) e Line (1969). Estes cinco primeiros trabalhos, filmados em 8 mm (Hand Movie) e 16 mm (demais filmes), já expressam a pesquisa de Rainer pelo corpo em movimento e pelo espaço cênico de seus primeiros longas-metragens. Uma mão emoldurada pelo vazio dança para a câmera fixa de William Davis, em Hand Movie; enquanto em Volleyball, um par de pés encena um pas de deux com uma bola de voleibol, encurralados pelo canto da sala. Em 1968, Rainer parte para os planos abertos, e se em Rhode Island Red o corpo humano aparece como uma fantasmagoria em meio a corpos de aves amontoados em um enorme galinheiro, em Trio Film eles ganham materialidade expostos em sua nudez: um terceiro elemento movimenta as relações de um casal, que tem suas aproximações e disputas coreografadas na sala da casa.  Por último, em Line, um enquadramento inusitado revela a interação de uma jovem com um objeto não identificado, triangulada com a câmera cúmplice de Phill  Niblock. Compositor e cineasta de vanguarda, que também colabora em Trio Film, Niblock (que faleceu em janeiro deste ano) traz para estes dois últimos curtas-metragens de Five Easy Pieces uma fotografia que experimenta a expressividades dos corpos, tão característica do cinema de Rainer.

O primeiro longa-metragem de Yvonne Rainer, A Vida dos Performers (Lives of Performers, 1972) parte de uma apresentação de dança coreografada por ela. Alternando fotografias, filmagens de ensaios e encenação, Rainer apresenta os dilemas de um triângulo amoroso. A narração distanciada dos personagens, assim como a sua atuação austera, evidencia a expressividade dos corpos e modula o drama vivido em meio a um grupo de dança. A Vida dos Performers, assim como Filme Sobre uma Mulher Que…, foi fotografado por Babette Mangolte, fotógrafa francesa radicada em Nova Iorque nos anos 1970. Mangolte ficaria conhecida alguns anos mais tarde por sua parceria com a cineasta belga Chantal Akerman, fotografando dois dos seus filmes mais conhecidos: Jeanne Dielman (1975) e News From Home (1976).

Rainer continua sua investigação coreográfica em torno dos relacionamentos amorosos em Filme Sobre uma Mulher que… (Film About a Woman Who…, 1974). Sobre um tablado, um casal encena o teatro do casamento enquanto narra suas expectativas e suas angústias. A performance aqui tem o espaço privilegiado de comentar as relações, os sentimentos e o inconsciente dos personagens, trazendo a arte conceitual, a dança e o teatro para a experimentação cinematográfica.

Já nos anos 1980, em O Homem que Invejava as Mulheres (The Man Who Envied Women, 1985), Rainer lança mão do humor e da ironia para narrar o rompimento entre um professor mulherengo e sua esposa artista. Combinado com as fotografias, a performance e a encenação, presentes nos seus primeiros filmes, as narrativas midiáticas, como matérias de revista e o cinema clássico também entram em cena como um reflexo dos arquétipos de gênero, tensionando as narrativas dos personagens.

O uso de Rainer da colagem como linguagem libertária e crítica continua em Privilégio (Privilege, 1990), quando o cinema dela torna-se ainda mais ensaístico. O filme parte de uma reflexão sobre o envelhecimento feminino e a menopausa para pensar o feminismo, questões de raça, política norte-americana, e tantos outros temas que o pensamento afiado de Rainer encontra no depoimento das diversas mulheres com as quais compartilha o seu discurso e as suas imagens.

 

Datas e horários

08 de março:

19h30– Filme Sobre uma Mulher Que… (Film About a Woman Who…, 1974) (105min) (Projeto Raros)

 

09 de março:

17h – A Vida dos Performers (Lives of Performers, 1972) (90 min)

19h – Privilégio (Privilege, 1990) (100min) (com uma apresentação em vídeo da pesquisadora Carla Italiano)

 

10 de março:

17h – Cinco Peças Fáceis (Five Easy Pieces, 1966-1969) (55min) – sessão seguida de debate sobre a mostra com Priscila Pasko, mediado por Juliana Costa

19h – O Homem que Invejava as Mulheres (The Man Who Envied Women, 1985) (125min)

 

Mostra “Yvonne Rainer em 5 Atos”:

Textos e organização: Juliana Costa

Produção: Aaron Cutler

Debate: Priscila Pasko e Juliana Costa

Legendas dos filmes Filme sobre uma mulher que…O homem que invejava as mulheres Privilégio: Carla Italiano

Legendas do filme A vida dos performers: Fábio Brito Porto (Pilha Tradução)

Agradecimento especial: Mariana Shellard

Apoio institucional: Cinemateca Portuguesa

 

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